
Este texto sobre anti-heróis e sua jornada “invertida” é baseada no artigo A Jornada do Herói nos Videogames.
A busca pelo cinza em mundos coloridos
Ser herói nos videogames parece ser a regra. Controlamos figuras lendárias como Mario, Sonic e Link, que sempre lutam por justiça, paz e amor. Essas narrativas são inspiradoras, mas muitas vezes previsíveis. O jogador segue um roteiro definido: vencer o mal, proteger os inocentes, restaurar a ordem. Esse modelo funciona bem, mas também limita a experiência para quem deseja algo mais ousado.
Por isso, muitos jogadores se sentem atraídos por títulos que oferecem caminhos alternativos. Em Grand Theft Auto, por exemplo, a liberdade de transgredir a lei sem consequências reais seduz o público. Nesses mundos, não somos obrigados a sermos bons. Podemos roubar carros, fugir da polícia e viver como um fora-da-lei. O impacto disso vai além da diversão: revela o desejo de experimentar outras realidades, fora do controle social e moral comum.
O crescimento da popularidade de anti-heróis nos jogos acompanha essa tendência. Eles não seguem regras rígidas. São falhos, imprevisíveis e, justamente por isso, mais humanos. Ao invés de carregar uma bandeira de justiça, carregam cicatrizes, dilemas e motivações pessoais. Essa complexidade gera empatia, pois poucos se identificam com perfeição. O cinza é mais real do que o preto e branco.
A trilha tortuosa das escolhas maldosas
Jogos que permitem ações moralmente questionáveis desafiam o jogador a sair do modo automático. Quando um título como Disco Elysium apresenta um detetive em frangalhos, lidando com vícios e crises existenciais, ele convida o jogador a mergulhar em decisões que vão além do certo e errado. As escolhas não oferecem recompensas claras, apenas consequências emocionais. Isso torna a experiência muito mais intensa.
Outros exemplos incluem Hitman e Max Payne. No primeiro, controlamos um assassino profissional. No segundo, um policial marcado pela dor e pela vingança. Ambos não buscam justiça tradicional. Suas jornadas são solitárias, marcadas por perda e violência. Conker, do irreverente Conker’s Bad Fur Day, também representa essa quebra de expectativa: um esquilo beberrão e mal-educado que vive situações absurdamente adultas.
Esses personagens não são modelos a serem seguidos, mas espelhos de nossas falhas. E é justamente aí que reside o fascínio. Eles não agem como heróis perfeitos — e é isso que os torna tão envolventes. Jogar com eles é como encarar nossos próprios limites. Afinal, será que faríamos diferente se estivéssemos no lugar deles?
Anti-heróis e os testes de ética
Momentos que testam nossa ética são cada vez mais comuns nos jogos. Uma das cenas mais polêmicas do gênero FPS é a missão do aeroporto em Call of Duty: Modern Warfare 2. Nela, o jogador, infiltrado em um grupo terrorista, precisa escolher se atira ou não em civis. Apesar de opcional, o simples fato de participar desse momento já levanta questões profundas sobre responsabilidade e empatia.
Outro exemplo é Carmageddon, onde atropelar pessoas rende pontos. Na época de seu lançamento, causou debates sobre o impacto da violência nos jogos. No entanto, o que poucos consideram é que esse tipo de design também serve como espelho. Ao permitir o ato, o jogo não incentiva o mal — ele apenas coloca o jogador diante de uma escolha desconfortável. Cabe a cada um decidir como agir.
Essas experiências não são apenas entretenimento. Elas provocam reflexão. Mostram que, mesmo em mundos virtuais, nossas decisões carregam peso. E quanto mais cinza for o cenário, mais nos sentimos parte dele. Essa camada ética é o que torna certos jogos inesquecíveis. Não pela ação, mas pela dúvida que deixam após o “Game Over”.
O cinza é mais vibrante que o preto e branco
O herói clássico nos inspira, mas o anti-herói nos representa. Ele erra, se arrepende e, às vezes, nem se arrepende. O Justiceiro, por exemplo, enfrenta criminosos com violência extrema, ignorando os limites da lei. Suas ações são questionáveis, mas compreensíveis diante de sua tragédia pessoal. Isso o torna um símbolo do que muitos fariam se tivessem perdido tudo.
Tommy Oliver, o Ranger Verde de Power Rangers, começou como inimigo antes de se juntar aos mocinhos. Sua redenção não apagou suas falhas, apenas mostrou que todos têm chance de mudar. Esse tipo de trajetória conquista fãs porque parece real. Da mesma forma, Cecil em Final Fantasy IV começa como cavaleiro das trevas. Sua transformação em paladino é simbólica, mas suas cicatrizes nunca desaparecem.
Outro exemplo marcante é Duke Nukem. Com seu humor ofensivo e estilo exagerado, ele não se encaixa nos padrões atuais. No entanto, seu carisma o tornou um ícone. Ele salva o mundo, sim — mas do jeito mais inapropriado possível. E é justamente essa incongruência que o torna memorável. O cinza, no fim das contas, brilha mais forte do que o preto e branco.
Anti-heróis no entretenimento: espelhos da nossa realidade
Fora dos jogos, os anti-heróis dominam filmes, séries e quadrinhos. Em X-Men, Wolverine é brutal, mas seu coração o guia. Deadpool mata com piadas, mas suas ações escondem traumas profundos. Em Breaking Bad, Walter White abandona a moral para proteger sua família e alimentar seu ego. Cada um deles nos força a repensar o que é certo ou errado.
Nos videogames, esse efeito é ainda mais intenso, pois controlamos diretamente as ações. Joel, em The Last of Us, mata inocentes para proteger Ellie. Suas atitudes dividem opiniões, mas sua motivação é compreensível. Não se trata de justificar a violência, e sim de entender os porquês. Quando controlamos esses personagens, a linha entre empatia e julgamento se torna tênue.
Esses anti-heróis não são apenas entretenimento. Eles são reflexos. Carregam as dúvidas que evitamos na vida real. Eles erram, acertam e seguem em frente. E, no fundo, é isso que os torna tão fascinantes: eles são como nós. Imperfeitos, contraditórios e, mesmo assim, capazes de grandes feitos.